É sabido ou não sabido, mas que existe alguma falha orgânica na composição que forma a massa cerebral do cearense, isso existe. É um povo meio que destrambelhado em tudo que faz ou pensa sempre propenso ao exagero, notadamente nas conversas que se for coar o que há de verdade, pouco sobra. Não é um povo pusilânime, não. São lembranças épicas que ele traz gravadas no inconsciente coletivo dos neurônios. E é por ter uma humilde serventia, disposto sempre aos préstimos, é que ele foi identificado como uma raça sem contorno próprio, criação ou acidente de tantas misturas de cromossomos transmitidos por óvulos aos esbarrões com galas européias. Tudo isto resultou nesta raça alegre, festiva e porque não, feliz, uma característica desses gametas doidos que deram nova aparência e costumes a essa gente miscigenada, criando uma herança genética do índio, francês, holandesa e ibérica. O cearense ficou assim, afetado pelo agoniamento do sangue fervendo nas artérias, pelo solão cozinhando dentro da caixa craniana, uma aporrinhação de avexamento caminhando na medula como a lecitina. Não se diga ser uma raça degenerada, mas um povo que tem uma falha, localizada bem ali, em alguma parte do seu juízo, para ter esse jeito que tem de destrambelho. De outro modo não é possível entender essa gente, nem paleontologicamente, nem sociologicamente, nem hereditariamente, a não ser, atribuindo a ela, essa falha irreversível que ocorreu no cruzamento ao longo do tempo, sendo depurada pela seleção natural do agoniamento (ao que só sobra os cabra macho, porque a fama de valente vem do sangue ibérico chegado aqui por primeiro e esquentado no fogo do agreste), e decantada pela a acomodação da preguiça do índio na hora da sesta, porque ninguém é de ferro e se precisa fornicar de vez em quando.
Essas coisas não dão uma característica do perfil do cearense na hora da encrenca. Foi assim, bravo e destemido, quando nem Ceará ainda existia, nem esse mundão de terra que vieram a chamar de Brasil, que os nativos aqui vivendo de brisa, pesca e safadagem sem pecado, soltou a pocema sobre os primeiros europeus que por aqui chegaram à ponta do Mucuripe querendo se apossar do que não era deles. Foi sob cusparada, tabefe e muita peia com cipó de marmeleiro e cacete feito com vara de jucá, que os espanhóis foram enxotados daqui. E que nunca mais venham arredados de suas terras achando que aqui a gente é tudo besta. Um tempo depois foram os franceses. Aí o povo já estava mais preparado. Já não era tão só índio, era já um pouco dessa mistura que é hoje, que resultou no curiboca. E nem durou muito a desavença, visto que o branquela não agüentava bordoada como os espanhóis que têm sangue mouro, de gente acostumada com briga. Depois dessa farra de lutar, sobraram apenas alguns europeus, domesticados, mais besta que a bestagem do povo daqui, e estes loirinhos correndo pelo litoral, que dizem não saber de onde vieram.
Por isto quando se diz que o cearense é um destrambelhado, é porque ele é afetado por esta falha que faz dele um povo diferente, tão diferente, que sua característica maior, é a sina de ser feliz e contar histórias. Quem atinar para o que escuta, entenderá que nunca se saberá dessas lorotas pela boca de alguém que não seja um cearense, pois é somente aqui que essas histórias existem.
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